QUANDO PUTAS COMEÇAM A PROCURAR ALGO MELHOR QUE UMA CHUPADA NO PROVADOR DE UMA LOJA QUALQUER

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Eu sempre reclamava que faltavam aventuras na minha vida. Que eu tinha magicamente me transformado numa senhora de 60 anos, pois minha maior alegria ultimamente era cozinhar para os outros e vê-los felizes por isso. Meu espírito e meu corpo não eram os mesmos de quando eu tinha meus 15, 16 anos. Aqueles eram tempos gloriosos – uma saída na sexta poderia se esticar até a terça. Também sempre havia aquela sensação de que poderia ser o último dia da minha vida, porque naquele tempo havia uma linha muito tênue entre o que era chamado de diversão e o que poderia causar uma morte.

Entre uma reclamação e outra aparecia algo interessante. Às vezes era uma conversa no bar que me deixava animada a semana inteira, às vezes era um belo par de olhos castanhos piscando pra mim como se quisesse tirar minha roupa – eu desconfiava que realmente essa era a intenção. Mas aquele dia em especial, era uma segunda-feira de noite e tinha um garoto que me seguia por todo lado e me beijava o tempo todo. Nós andávamos de mãos dadas e parecíamos felizes. Entramos numa loja de roupa – dessas modernas, em que você não consegue diferenciar o setor masculino e o feminino – e eu decidi procurar algo para comprar. É uma coisa que acontecia com certa frequência: gastar dinheiro me deixava feliz. Escolhi alguns vestidos e uma saia preta, o que era totalmente contraditório ao atual clima de minha cidade. Nos dirigimos ao provador e o garoto estava sentado bem próximo a cortina que separava a loja daquele cubículo. Primeiro, eu tirei o tênis. Depois veio a calça e eu a substitui pela saia. Ele perguntou como ficou e enfiou a cara provador a dentro. Pediu que eu levantasse os braços e deu seu veredito: muito curto. Então eu tirei a saia, tirei a camiseta e aí o espelho refletia meu corpo e um conjunto de calcinha e sutiã – ambos de renda e pretos. Pude ver uma marca familiar se formando na bermuda do menino. A visão me trazia quase tanta alegria quanto gastar dinheiro. Sabia que aqueles olhos estavam focados apenas em mim, que fitavam cada centímetro da pele branca e eriçada que eu tinha. Finalmente, coloquei o vestido. Era de veludo, da cor negra como a noite e marcava cada curva do meu corpo – as boas e as ruins. A ordem veio novamente: levante os braços. Obedeci, levantando o máximo que podia e é claro, empinando também tanto quanto eu achei que fosse necessário. Nos beijamos e meu show continuou. Fiquei fazendo poses e mais poses para decidir se o vestido mostraria mais do que deveria. Senti um puxão, depois senti uma mão passando pelo tecido fofo que cobria minha pele e por fim, consegui sentir um volume muito familiar, ainda coberto pelo algodão fino da bermuda. Os anjos cantavam, o Diabo estava pronto para adicionar alguns pontos a minha lista de pecados, os fogos de artifício estavam prestes a iluminar uma noite cinzenta, tudo parecia correr exatamente como o destino queria. De repente, o algodão não estava mais lá, minhas mãos trabalhavam de um jeito excepcional, e aquelas palavras foram proferidas, aquelas que eu já ouvi tantas vezes antes, de tantas vozes diferentes: me chupa.

E eu disse não. Um bom e sonoro não. Nem eu sabia porquê dessas três letras terem se formado na minha boca, sendo que aquela era a aventura que desejei por tanto. Aí a mágica aconteceu. Eu pude ver, pela primeira vez, o que o meu não realmente causava. Naquele momento, os anjos pararam de cantar, o Diabo lamentou por nós, os fogos receberam um balde d’água fria, e um coração foi cortado em pedaços. Os olhos que antes ardiam ficaram frios, a bermuda voltou ao seu lugar e o semblante de raiva (talvez mágoa?) deu lugar ao que antes era um amor puro e pervertido.

Finalmente, entendi que nenhum homem – exceto um – seria capaz de lidar com a situação e contorná-la do jeito que teria que ser feito. Todos eles acabariam com os olhos vazios fixados em mim, porque simplesmente não sabiam como transformar um não em um “sim, deixa eu te chupar, por favor”. E era por isso, meus amigos, que não havia mais aventuras, porque todas as doses de adrenalina hoje parecem descafeinadas, parecem fracas demais, e um olhar suplicante já não surte mais nenhum efeito.

Por Eduarda Hantzis

Ilustração: Apollonia Saintclair

 

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